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Ministério da Cultura beneficia ONGs ligadas a petistas e empresário de MT investigado pelo MP

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O Estado de S. Paulo

 

O governo federal criou um programa para difusão de cultura nos Estados que beneficia ONGs (Organizações Não Governamentais) ligadas a dois assessores do próprio Ministério da Cultura e a militantes do PT. Em dois anos, os “comitês de cultura”, instituídos pela ministra Margareth Menezes, serão financiados com R$ 58,8 milhões, ao todo.

Entre os contemplados também está um empresário do Mato Grosso que responde por suposto envolvimento com uma quadrilha acusada de crimes como peculato, desvio de recursos e lavagem de dinheiro. Ele foi alvo da Operação Pão e Circo, do Ministério Público estadual, que investiga desvios milionários na Cultura do Estado.

Em nota, o ministério afirmou que as seleções foram feitas com base na capacidade técnica e na qualificação profissional dos contemplados, ressaltou que os órgãos internos não apontaram conflitos de interesses e que não cabe julgamento da pasta sobre a filiação partidária.

Os primeiros repasses do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para as ONGs foram viabilizados entre dezembro e julho, perto do início da campanha eleitoral. As próximas parcelas estão previstas para novembro. Um dos principais contemplados concorreu a vereador, recebeu a ministra para lançamento do comitê enquanto pré-candidato e usou o mesmo espaço para atividades da própria campanha.

Criado em setembro de 2023, o Programa Nacional de Comitês de Cultura (PNCC) estabeleceu comitês nas 27 unidades da federação. O plano consiste em contratar entidades culturais para coordenar atividades de fomento nos Estados. Cabe a elas realizar “ações de mobilização social, formação em direitos e políticas culturais, apoio à elaboração de projetos, comunicação social e difusão de informações sobre políticas culturais”.

A seleção dessas Organizações da Sociedade Civil (OSCs) para as coordenações se deu por meio de edital lançado em outubro passado – segundo a definição usada pelo Sebrae, OSC pode ser usado como sinônimo de ONG. Os termos de colaboração das entidades com o ministério foram firmados em dezembro. De lá para cá, o governo já pagou cerca de 26% dos R$ 58 milhões.

No Distrito Federal, a ONG contemplada para liderar o comitê é a Associação Artística Mapati, uma conhecida fomentadora da cultura em Brasília. Até 23 de janeiro de 2023, ela tinha como vice-presidente o historiador Yuri Soares Franco, secretário de cultura do PT-DF. Como número 2 da entidade, ele falava em nome dela em eventos do segmento e no Congresso.

Franco renunciou à entidade 45 dias antes de ser nomeado assessor da secretaria-executiva do Ministério da Cultura. Nove meses depois de ele virar funcionário do governo, a Mapati assinou o acordo de colaboração com a pasta. Em dois anos, deverá receber R$ 2 milhões. Até agora, foram R$ 486 mil.

O servidor não quis comentar. Em nota, o ministério pontuou que, Yuri Franco, “não fazia mais parte dos quadros da associação quando passou a atuar” na pasta. Também “não estava na Mapati quando o edital foi lançado e não participou do processo seletivo”.

Festa na rua da ministra com candidato a vereador em Curitiba

A ministra Margareth Menezes foi pessoalmente ao lançamento do comitê de cultura do Paraná. O ato contou com cortejo pelas ruas de Curitiba, blocos de carnaval, artistas regionais e trupes circenses. Para coordenar o programa no Estado, a selecionada foi a ONG Soylocoporti, dirigida por João Paulo Mehl.

À época do lançamento do comitê, em junho, ele era pré-candidato a vereador pelo PT. Um mês depois, teve a candidatura homologada para sua estreia nas urnas. Apesar do apoio de lideranças como a ministra e a presidente nacional da sigla, deputada Gleisi Hoffmann, João Paulo Mehl não foi eleito.

As atividades do comitê de cultura do Paraná ocorrem em torno do Terraço Verde, um projeto ambiental de Mehl que também funciona como braço cultural de seu grupo político. O mesmo espaço serviu para atividades da campanha eleitoral. Ele é líder de uma rede com centenas de sites, blogs e influenciadores à esquerda e já tem sido provocado para novos planos eleitorais em 2026. Em dois anos, a ONG dele receberá R$ 2,6 milhões.

Procurado pela reportagem, João Paulo Mehl afirmou que “o Terraço Verde é um espaço privado com fins públicos” e que o uso pode ser agendado por qualquer pessoa para atividades desde que ela “compartilhe dos valores éticos e morais de um mundo ambientalmente correto, respeito aos direitos humanos e as diferenças étnicas, de gênero e religiosas”.

Também destacou que ao recepcionar a ministra ainda não tinha a candidatura homologada. Disse ainda que suas preferências políticas não comprometem a execução da política pública porque “enquanto organização não fazemos parte do atual governo e não atuamos ligados a qualquer governo.”

Dirigente de Manaus ganhou cargo no governo após convênio

No Amazonas, outro militante do PT foi beneficiado pelo programa. Conforme a documentação apresentada pela própria entidade ao ministério, Ruan Octávio da Silva Rodrigues é um dos dirigentes do Instituto de Articulação de Juventude da Amazônia (Iaja), escolhido para coordenar o comitê estadual. Para a tarefa, deverá receber R$ 2 milhões do Ministério da Cultura.

Em março deste ano, já com o comitê sob a coordenação do Iaja formalizado, ele teve passagens custeadas pelo governo para participar da 4ª Conferência Nacional de Cultura. Durante a estadia na capital federal, aproveitou para ir a um “encontro com a diplomacia cubana” na sede do diretório nacional do PT.

“Uma troca cultural importante. Na oportunidade falei sobre a minha relação com Cuba e a nossa experiência na articulação entre os países”, escreveu nas redes sociais.

Dois meses depois dessa peregrinação por Brasília e cinco meses depois do convênio com a pasta, ele ganhou um cargo comissionado. Foi nomeado, em maio, coordenador do escritório do ministério no Amazonas. Na campanha eleitoral deste ano, o militante partidário atuou pela eleição de Anne Moura, secretária nacional de Mulheres do PT, a vereadora de Manaus. Ela não venceu.

Oficialmente à frente do Iaja está Marcos Jeremias Rodrigues. Em 2018, ele participou de um ato em Manaus no qual associou o então presidente Jair Bolsonaro a nazista.

Ruan Octávio não respondeu aos pedidos de comentários. Sobre o caso dele, o ministério afirmou que o servidor “se desencompatibilizou da OSC antes da assinatura da parceria” e que Ruan foi convidado para coordenar o escritório em Manaus porque “é um membro destacado da comunidade cultural do Amazonas”.

Marcos Rodrigues afirmou que o colega teve, mas não tem mais relação com o instituto e que as atividades da entidade e do escritório do ministério em Manaus são diferentes.

“Não posso dizer que ele não teve uma participação, isso é público. Ele foi diretor, teve uma participação e deixou o cargo dentro desse processo, passou um tempo fora e depois assumiu suas atribuições no Ministério da Cultura. Não existe nenhum vinculo hoje do Ruan com o Iaja, nem política nem com interferência, até porque temos conjunto de instruções normativas”, comentou.

Rodrigues também pontuou que sua manifestação contra Bolsonaro não direciona seu trabalho de gestor de uma política pública para determina grupo ou partido.

“Eu trabalhei na campanha, precisava trabalhar. Sabia que o material podia causar certo problema, mas estava cumprindo uma função. Era cabo eleitoral”, disse. “Os comitês de cultura têm política de ampliação de acesso à política cultural, mas não com olhar partidário. Têm olhar voltado à sociedade. Então, meu olhar sobre partidos, de direita ou esquerda, não assume um campo definido. Não tenho um lado dentro dessa construção. Meu lado é o da cultura e o da sociedade civil”.

Produtor de comitê potiguar é engajado na disputa em 2º turno em Natal

No Rio Grande do Norte, a ONG coordenadora do comitê é a Associação Grupo de Teatro Facetas, Mutretas e Outras Histórias, de Rodrigo Bico. A entidade vai receber, até o final do programa, R$ 1,7 milhão. Candidato a vereador de Natal pelo PT em 2020, este ano ele entrou de cabeça na campanha de Natália Bonavides (PT) à prefeitura da capital potiguar.

Uma postagem feita por ele nas redes sociais é uma das marcas da disputa em segundo turno entre a petista e o candidato Paulinho Freire (União). Na publicação, Bico se referiu ao candidato adversário como “um homem, branco, velho e heterossexual”.

O perfil de Bonavides curtiu o post e o caso foi judicializado. A Justiça Eleitoral mandou tirar o conteúdo do ar com base nos dispositivos que proíbem publicações preconceituosas.

Rodrigo Bico disse que enviaria uma manifestação à reportagem sobre as questões apontadas, mas não o fez até a publicação.

Investigado por desvio na Cultura é contemplado pelo ministério

A entidade selecionada para coordenar o comitê de cultura do Mato Grosso é o Instituto Mato-grossense de Desenvolvimento Humano (IMTDH). A ONG está em nome de Plínio Marques, o Plínio Katmandu. Ele, no entanto, evita se envolver diretamente nos eventos do comitê e delega as funções sob o argumento de que exerce funções internas.

Plínio é um dos alvos de uma investigação do Ministério Público que apura fraude em contratos na área cultural no Mato Grosso e lavagem de dinheiro. Os crimes teriam sido cometidos entre 2011 e 2018. Marques aparece como réu em uma denúncia oferecida à Justiça em 2022 por suspeitas de peculato e organização criminosa.

Ao manter, em abril, uma decisão de fevereiro que bloqueou bens do empresário e produtor cultural, o desembargador Rondon Bassil Dower Filho afirmou que a denúncia “narra pormenorizadamente a ocorrência (em tese) de crimes contra os cofres públicos, praticados mediante fraudes em convênio do governo do estado com as áreas de cultura e lazer”.

Plínio Marques, por meio de outra entidade, teria atuado “em conluio com outras pessoas para beneficiar-se com o direcionamento de contratações superfaturadas e desviar recursos públicos”. “Ao que se tem, são muitos os elementos indicativos de possíveis delitos em prejuízo à Fazenda Pública”, pontuou o magistrado da Terceira Câmara Criminal do tribunal mato-grossense.

Em nota, o comitê de cultura do Mato Grosso pontuou que o envolvimento de Plínio Marques na Operação Pão e Circo não diz respeito ao IMTDH e que na época dos fatos investigados ele era somente sócio minoritário de uma das empresas prestadoras de serviços à associação investigada.

“Seria imprudente, portanto, associar tais acusações, que dizem respeito à investigação de outra OSC, em anos passados, ao trabalho desenvolvido com seriedade e dedicação do IMTDH que, dentre outras coisas, desenvolveu em 2023 a 5ª Conferência Estadual de Cultura de Mato Grosso, e gere com grande destaque o Comitê de Cultura, democratizando o acesso às produções artísticas e culturais, bem como cumprindo as metas de formação, mobilização pública e comunicação sobre as políticas culturais no Estado”, destacou.

O empresário reafirmou que não tem participação nos crimes investigados. “Fui arrolado como réu, assim como foram outros tantos empresários prestadores de serviço, já que a investigação busca analisar os motivos de tal associação desenvolver eventos grandiosos por longo prazo. O processo está em andamento e estamos aguardando a finalização, quando imagino que não haverá nada que associe tal situação à minha pessoa”, disse Plínio Marques.

Cultura: escolha rigorosa, baseada em critérios técnicos e sem conflito de interesses

O Ministério da Cultura afirmou que todas as seleções foram feitas a partir de um edital e que tiveram como base a capacidade técnica e a qualificação profissional dos contemplados. Também destacou que os órgãos internos da pasta não apontaram conflitos de interesses. Sobre a militância partidária de coordenadores, a pasta chefiada por Margareth Menezes ressaltou que não cabe julgamento sobre a preferência.

Em nota, disse também que a primeira etapa da seleção se deu de forma “cega”, sem que a equipe que recebeu as propostas soubesse quem eram os proponentes.

“Todas as instituições selecionadas obedeceram a critérios técnicos, não havendo questionamentos sobre as propostas de trabalho avaliadas. O processo que selecionou as OSCs foi rígido, a comissão de seleção foi composta, em sua maioria, por servidores públicos, garantindo viés técnico. A análise foi cega, ou seja, os julgadores não tinham conhecimento sobre quem estava concorrendo. Após a primeira etapa, foram verificados os documentos e currículos que comprovaram a ampla experiência, histórico de atuação na área sociocultural das OSCs e a qualificação profissional das organizações contempladas”, frisou.

 

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