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PGR faz esforço inédito contra procurador da Lava Jato já absolvido e gera reação

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O Antagonista

 

A decisão do procurador-geral da República, Paulo Gonet, de escalar Elton Venturi para “promover, por todos os meios jurídicos, a efetivação da pena” de demissão do procurador Diogo Castor de Mattos, ex-membro da Lava Jato que financiou, com recursos próprios, um outdoor (foto) em homenagem à operação, é inédita no Ministério Público Federal e gerou reação da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

A portaria do PGR

De acordo com a portaria PGR/MPF nº 1099 de 12 de novembro de 2024, a tarefa deve ser realizada “inclusive com a interposição de recursos” contra a absolvição de Castor de Mattos, que, em 18 de outubro de 2021, teve a demissão aplicada pelo Conselho Nacional do MP por alegado ato de improbidade previsto no artigo 11, caput, da Lei 8429/1992, mas foi mantido no cargo por duas instâncias da Justiça Federal, em razão das alterações na Lei de Improbidade aprovadas pelo Congresso, com retroatividade de sua nova redação.

“O membro designado [Elton Venturi, da Procuradoria Regional da República da 4a Região, em Porto Alegre] deve prestar informações ao procurador-geral da República acerca das medidas tomadas e dos recursos interpostos”, ordena a portaria assinada por Gonet, ex-sócio do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, detrator da Lava Jato. “A cada 6 (seis) meses, deverá noticiar o andamento do processo”, estipula ainda.

O duplo padrão

Em outros cinco casos recentes (como se verá mais adiante) de demissão de membros do MP, no entanto, a portaria não exigia deveres de recorrer ou mesmo de prestar contas, o que reforça a alegação do advogado Felipe Cunha, que representa Castor de Mattos, de que “há uma evidente perseguição da PGR”.

Segundo Cunha, “a nomeação de um procurador escolhido, casuisticamente, pelo procurador-geral da República, com obrigação de recorrer, não tem previsão legal ou constitucional e vai de encontro à independência funcional do órgão, violando o princípio do promotor natural”.

O promotor natural sorteado para o caso já havia manifestado parecer favorável ao ex-membro da Lava Jato.

A reação da Associação Nacional de Procuradores da República

A ANPR solicitou ao PGR “o reconhecimento da insubsistência da base normativa que sustentou a decisão do CNMP e, por consequência, da inviabilidade de interposição de Recurso Extraordinário ou de Recurso Especial contra decisão do TRF-4 que corretamente aplicou os precedentes tanto do Supremo Tribunal Federal quanto do Superior Tribunal de Justiça”.

O STF, explicou a Associação, “consolidou seu entendimento de que a Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública, promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992”.

O CNMP reconheceu que Castor de Mattos “financiou esta peça publicitária com recursos próprios”, então a decisão se limitou, com base em texto normativo que não mais subsiste, a uma imputação genérica de “violação do princípio da impessoalidade, diretamente ligado aos demais princípios básicos da administração pública insculpidos no art. 37, caput, da Carta Magna, especialmente ao da moralidade”.

A ANPR frisou que “todos os atuais ministros” do Supremo “já se manifestaram, direta ou indiretamente, pelo reconhecimento de que, ausente trânsito em julgado de decisão judicial condenatória, não mais subsiste a capitulação de um fato que não encontre descrição exata em um dos incisos do artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa”.

Conforme a Associação, “o texto normativo em vigor exige, para a configuração da hipótese do inciso XII do artigo 11, a utilização de recursos públicos, o que está demonstrado nos autos não ser o caso da situação que envolve o Procurador da República Diogo Castor de Mattos”.

Por isso, o TRF-4 manteve a decisão de primeira instância que derrubou a do CNMP, considerando “sem fundamento a aplicação da pena de demissão”, “vez que não havia transitado em julgado na esfera administrativa quando do advento da lei no 14.230/21”. O tribunal julgou “correto o raciocínio da sentença” declarou que “a interpretação está em consonância com aquela trazida pelo próprio Supremo” e concluiu “que o ato apurado no Processo Administrativo não pode ser tipificado como ato de Improbidade Administrativa”.

A ANPR ainda encontrou uma maneira curiosa de convencer Gonet a revogar a portaria: argumentou que ele próprio citou recentemente uma crítica de Gilmar Mendes à “renitência da Justiça do Trabalho em dar efetivo cumprimento às deliberações desta Corte”. Com isso, lembrou ao PGR seu “compromisso primeiro” com “o respeito às decisões unânimes do Supremo”, “para garantia da segurança jurídica”, e para “evitar” incorrer no expediente que combate.

“Assim”, concluiu a ANPR, “a análise do caso concreto impede qualquer decisão diversa daquela que reconhece que o acórdão do TRF-4 é totalmente consentâneo com o entendimento pacífico do STF e do STJ, o que impede o inútil e inadequado manuseio quer do Recurso Especial, quer do Recurso Extraordinário. Certos da sua atenção, renovamos os protestos de estima e consideração.”

Os cinco casos recentes

O Antagonista teve acesso a outras cinco portarias de designação para ação de perda de cargo de procuradores que tiveram a sanção de demissão aplicada pelo Conselho Superior do MPF e pelo próprio CNMP.

O primeiro caso envolvia um procurador regional no Rio de janeiro, demitido por suposto envolvimento em esquema de venda de sentenças apontado pela Operação Hurricane, em 2006.

A designação não previa qualquer obrigação acessória, e ele chegou a ser afastado das funções com a manutenção do salário, mas segue no cargo até os dias atuais.

O segundo caso envolve um procurador da República que sofreu a pena de demissão por suposto envolvimento no esquema de corrupção da JBS, em 2017. Ele supostamente recebia R$ 50 mil de mesada para vazar informações sigilosas de investigações em tramitação.

Neste caso, consta na Portaria PGR/MPF nº 750 de 12/9/2022: “Designar a Procuradora da República MARCIA BRANDÃO ZOLLINGER, lotada na Procuradoria da República no Distrito Federal, para, por delegação do Procurador-Geral da República, ajuizar e acompanhar ação civil de perda de cargo contra o Procurador da República…, nos termos do Processo Administrativo Disciplinar nº 1.00.002.000050/2018-59.”

O terceiro caso envolve a ação civil de perda de cargo de uma procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) de Londrina.

O CNMP aplicou a sanção por suposta prática de assédio moral no bojo do PAD 100391/2018, julgado em 25 de junho de 2019.

Dessa vez, consta na Portaria PGR/MPF nº 50 de 31/1/2022: “Designar a Procuradora da República RENITA CUNHA KRAVETZ, lotada na Procuradoria da República no Estado do Paraná, para, na condição de longa manus do Procurador-Geral da República, acompanhar a Ação Civil de Perda do Cargo (Ação Civil Pública nº 5022802-66.2021.4.04.7001/PR) contra a Procuradora do Trabalho…, em trâmite na 6ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba/PR.” A ação ainda tramita na Justiça.

O quarto caso envolve o promotor Leonardo Azeredo Bandarra, do MP-DF, que, além de condenado à perda do cargo por decisão do CNMP, chegou a ser condenado à prisão em primeira instância por violação de sigilo funcional e concussão, mas foi absolvido em segunda, pelo TRF-1, em caso de suposto vazamento decorrente da Operação Caixa de Pandora.

A Corte concluiu que a única base da sentença anterior era a delação de Durval Barbosa, ex-secretário de Relações Institucionais do governo de José Roberto Arruda no DF. Barbosa declarou ter sido informado sobre medidas cautelares de busca e apreensão, que seriam realizadas na residência dele.

O então PGR, Augusto Aras, designou “o Procurador da República PAULO ROBERTO GALVAO DE CARVALHO, lotado na Procuradoria da República no Distrito Federal, para ajuizar e acompanhar ação civil de perda de cargo contra o Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios Leonardo Azeredo Bandarra, perante a Seção Judiciária Federal do Distrito Federal”.

Não houve acréscimos na portaria.

Outro procurador que sofreu pena de demissão foi Synval Tozzini, lotado na Procuradoria Regional da 3ª Região. Ele foi condenado à demissão no PAD nº 1.00.002.00006/2018-49 por decisão do Conselho Superior do MPF, em 3 de dezembro de 2019, por suposto assédio moral reiterado contra servidores.

Na redação da antiga Lei de Improbidade, o caso teria configurado improbidade administrativa por violação ao princípio da Administração, mesmo dispositivo em que foi enquadrado Diogo Castor de Mattos pelo outdoor em homenagem à Lava Jato.

Acontece que, no caso de Tozzini, o próprio Conselho Superior do MPF, na 2ª Sessão Ordinária de 2023, realizada em 14 de março de 2023, resolveu “desdemiti-lo” em razão da nova Lei de Improbidade, que deixou de considerar como tal a violação de princípio administrativo. Na oportunidade, o então PGR, Augusto Aras, indicado por Jair Bolsonaro, votou a favor de Tozzini em razão da revogação da redação anterior da lei.

Contudo, o próprio Aras, que extinguiu a Lava Jato, editou a Portaria PGR/MPF Nº 367, DE 19 DE MAIO DE 2023, designando um procurador para acompanhar o caso de Diogo Castor de Mattos em primeira instância com os seguintes deveres: “I – requerer o imediato afastamento do réu de suas funções, em cumprimento ao disposto no parágrafo único do art. 208 da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993; II – defender, por todos os meios jurídicos possíveis, a efetivação da pena aplicada no Processo Administrativo Disciplinar CNMP nº 1.00997/2020-21; III – instruir adequadamente a ação civil pública, com as provas necessárias ao acolhimento dos pedidos iniciais; IV – interpor os recursos eventualmente necessários.”

Coincidência?

Ou seja: o único precedente no MPF de portaria com deveres anexos envolve o próprio Castor de Mattos. Será coincidência que um ex-membro da Lava Jato seja alvo de um padrão diverso?

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