O futuro da Síria é nova tirania. Mas Rússia e Irã perderam, ótimo
(Mario Sabino, publicado no portal Metrópoles em 08 de dezembro de 2024)
Um dos regimes mais cruentos do Oriente Médio, o do clã Assad, que estava no poder há mais de meio século, caiu como um castelo de cartas na Síria depois de 14 anos de guerra civil, meio milhão de mortos e entre 5 e 6 milhões de refugiados.
O destino do agora ex-ditador Bashar al-Assad ainda é desconhecido. Ele pode ter fugido para a Rússia, para o Irã, aliados seus, ou para um país neutro. Não importa, porque ele já é passado e dificilmente será alcançado pelo braço da Justiça.
O que acontecerá agora? Não é preciso ser grande especialista para dar uma resposta. Como aquela é uma região do mundo imune ao conceito de democracia, com a exceção de Israel, cedo ou tarde haverá disputa entre os grupos que derrubaram Bashar al-Assad e um deles se tornará hegemônico para voltar a tiranizar a Síria.
O mais provável é que a Organização para a Libertação do Levante (HTS, na sigla em árabe transliterado) predomine sobre o Exército Nacional Sírio, teleguiado pela Turquia, e se torne a dona do pedaço — que ainda continuará conflagrado, porque as forças curdas que lutaram contra al-Assad estarão a postos para enfrentar qualquer um que, a partir de Damasco, pretenda esmagar as ambições de independência da minoria que habita o norte do país.
A HTS está longe de ser boa coisa. O seu líder, Abu Mohammed al-Golani, é ex-integrante da Al-Qaeda, comandava a versão síria da organização terrorista que deu origem à HTS. Ele rompeu com a Al-Qaeda, passou a posar de bonzinho e tolerante e a dar entrevistas para a imprensa ocidental, mas só ingênuos podem acreditar na realidade das suas boas intenções. O sujeito é, basicamente, um jihadista que trocou o internacionalismo pelo nacionalismo. Qual é a chance de ele se tornar um verdadeiro democrata? Menos do que zero. Primavera árabe é inverno.
Ainda há o perigo de ressurgimento do Estado Islâmico, como infecção oportunista, do qual a Síria é berço, juntamente com o Iraque.
A derrubada de um ditador cruento é sempre motivo de júbilo, mas o que os ocidentais têm a comemorar mesmo com a queda de Bashar al-Assad é a derrota da Rússia e do Irã, que foram insuficientes para deter o avanço inimigo sobre o regime espúrio que apoiavam.
A Rússia demonstrou não ser capaz de lutar em duas frentes, a ucraniana e a síria, o que a rebaixa na escala das potências internacionais e, espera-se, leve o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, a perceber que apoiar militarmente a Ucrânia é um ótimo negócio para pôr fim às ameaças de Vladimir Putin ao Ocidente.
O Irã, por seu turno, deixou outra vez evidente que é um gigante com pés de barro. Depois do ataque sofrido em 7 de outubro, Israel esmagou o Hamas e o Hezbollah, por meios dos quais Teerã movia uma guerra por procuração contra Tel-Aviv, e também revelou a vulnerabilidade da defesa aérea iraniana, após ser atacado diretamente pelo regime dos aiatolás e responder com bombardeios em alvos militares precisos e perfeitamente fulminados.
Fragilizada externamente por Israel e internamente por uma oposição que abertamente já não suporta a opressão teocrática, a casta religiosa que governa o Irã experimenta o medo de ser derrubada em futuro talvez não tão longínquo, assim como ocorreu com a ditadura de al-Assad.
O caminho para Damasco se abriu para os rebeldes que combatiam o ditador sírio e aponta para uma larga estrada rumo à vitória ocidental sobre Vladimir Putin e os aiatolás iranianos. Só é preciso ter vontade de pegá-la.