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Os entraves da política para o cinema no Brasil

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Marighella, filme dirigido por Wagner Moura, está gerando muita discussão nos veículos de comunicação e nas redes sociais. Alguns enaltecem a produção como uma obra de arte, outros a criticam como um panfleto barato. No entanto, no meio do debate, surgiu uma informação interessante e que enseja uma discussão – não sobre o filme em si, mas sobre o modo de se produzir cinema no Brasil.

De acordo com dados veiculados em diversos portais da internet, Marighella estaria sendo exibido em aproximadamente 300 salas de cinema em todo o país, enquanto Eternos, nova produção dos estúdios Marvel, estaria em exibição em aproximadamente 1700 salas. O que se deve questionar, no entanto, é: qual seria o número de salas exibindo Marighella caso não houvesse uma lei obrigando os cinemas a fazê-lo?

A legislação brasileira estabelece o que se chama de “cota de tela”, ou seja, as empresas proprietárias ou locatárias de salas de exibição são obrigadas a destinar um determinado número de dias e também de salas para a exibição de filmes nacionais. As datas e os números são fixados anualmente, mediante decreto do Presidente da República.

É interessante fazer um apanhado histórico dessa legislação. A primeira lei de cotas de tela, no Brasil, data de 1932. O regramento atual foi instituído pela Medida Provisória 2228/2001, editada durante o governo FHC, que cria a Ancine e estabelece as diretrizes da política nacional de cinema. Até o advento da Emenda Constitucional 31/2001, as Medidas Provisórias não tinham prazo para expirar. As emendas anteriores à EC 31 permanecem em vigor até que o Congresso Nacional as revogue ou delibere sobre o tema, o que até agora não ocorreu. A MP 2228/2001 estabelece o mecanismo de cotas pelo prazo de 20 anos, extinguindo-se em 2021.

A exibição do filme nesse número de salas decorre, portanto, do cumprimento de uma obrigação legal, não de uma demanda de mercado.  A esquerda tupiniquim, por outro lado, acha que essa obrigação deve se expandir, sendo maior o número de salas destinadas à exibição de filmes nacionais. A ausência de público para esse tipo de produção é indiferente. Deve ser obrigatória a oferta desses filmes à população, ainda que ninguém esteja interessado em assisti-los.

Não pretendo aqui julgar o filme, ao qual não assisti, por suas qualidades ou defeitos. Tampouco as discussões ideológicas a respeito da vida da personagem principal são relevantes para essa discussão. Quero, sim, debater a moralidade de uma legislação que obriga qual o tipo de filme que será ofertado ao consumidor. A obrigação legal não “protege” a produção nacional, como defendem os desenvolvimentistas. Ninguém vai assistir a um filme que não deseja apenas por estar em cartaz nos cinemas.

Ao contrário, quando o filme possui uma demanda, um interesse real por parte do público, os próprios cinemas providenciam a sua exibição. Filmes de grande sucesso de público, como a trilogia Minha Mãe é uma Peça, não dependeram da cota destinada aos filmes nacionais – muito pelo contrário, os cinemas reservaram salas em número muito superior ao que era definido pelo decreto vigente à época.

O mais recente trabalho do diretor Clint Eastwood, Cry Macho, contou com uma distribuição muito limitada no Brasil. Excetuando-se o tradicional eixo Rio-São Paulo, poucas salas exibiram o filme. Sem dúvida, uma parcela da população não foi atendida. No entanto, seria moral obrigar a que as salas exibissem o filme, submetendo um número muito maior de pessoas a uma variedade menor de ofertas, para atender a um desejo específico de legisladores iluminados?

Blockbusters, filmes de ação e comédias pastelão sempre tiveram entre nós um apelo maior ao público. A esquerda não consegue conceber que um filme como Minha Mãe é uma Peça 3, comédia banal, arrastou 13 milhões de espectadores ao cinema, e um panfleto ideológico como Bacurau tenha um público de apenas 700 mil espectadores. Entre rir e assistir a propaganda política que almeja chegar à categoria de arte, o brasileiro parece ficar com a primeira opção.

Pode-se argumentar que os problemas culturais e educacionais existentes no Brasil fazem com que a média do gosto penda mais para o mau do que o bom. No entanto, seria injusto afirmar que verdadeiras obras de arte produzidas aqui não foram devidamente apreciadas. São os casos de Auto da Compadecida, história conhecida por todos os brasileiros, e Central do Brasil, indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

Obrigar salas de cinema a resguardar uma cota para filmes nacionais é imoral. É o Estado, mais uma vez, agindo em nome de um grupo de pressão específico e gerando prejuízo a milhões de consumidores. A Lei de Cota de Tela já foi extinta na imensa maioria dos países da União Europeia. O Congresso Nacional brasileiro, contudo, quase sempre na vanguarda do atraso, discute um projeto que pretende tornar as cotas de tela permanentes, com um critério diferenciado para a exibição de filmes nacionais que sejam premiados em festivais.

É preciso barrar essa excrescência e permitir que as salas de cinema decidam livremente quais filmes exibirão e sintam a consequência disso na vendagem da bilheteria. A lei de cota de tela e a lei da meia-entrada são dois mecanismos que atrapalham uma maior proliferação de salas de cinema no Brasil – especialmente fora dos grandes centros comerciais. Todos querem que o cinema nacional seja reconhecido. No entanto, isso deve ocorrer por meio de seus méritos próprios e não de legislações elaboradas para atender a grupos determinados.

 

Guilherme Stumpf é advogado, bacharel em direito pela UFRGS, pós-graduando em Direito Administrativo pela FMP. Assessor Parlamentar na bancada do NOVO em Porto Alegre. Atuou como assessor especial da Procuradoria-Geral do Município de Porto Alegre entre 2017 e 2020.

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