Ciro, Dilma, Bolsonaro e a Petrobras
O tabelamento de preços rejuvenesce à medida que se esquecem as experiências passadas
Somente neste ano de 2021, a gasolina e o diesel subiram mais de 50%. Isso é muito mais que a inflação oficial (IPCA), que subiu 8,2% até outubro.
A turma das soluções mágicas, que nunca tira férias, já elencou os culpados e quer controle de preços. Como de costume por aqui, a prescrição predileta para resolver problemas sociais é uma marreta na mão de um burocrata.
O tabelamento é um zumbi: esporte nacional nos anos 1980, acreditava-se morto desde meados dos anos 1990, mas segue vivo nos corações… e comendo o cérebro de muitos. Não deixa de ser uma coincidência cômica que a palavra “zombie” tenha entrado na língua inglesa no famoso livro de Robert Southey, History of Brazil (História do Brasil).
Recentemente, o eterno presidenciável Ciro Gomes propôs, em seu Twitter, que a Petrobras deva cobrar apenas o custo de produção dos combustíveis adicionado de um lucro razoável — a seu critério, claro (a “tabela Ciro”).
Já a Frente Única dos Petroleiros joga a culpa dos aumentos na gestão bolsonarista da Petrobras. O Senado Federal, por sua vez, quer ouvir Paulo Guedes e a Petrobras sobre os aumentos, e já estuda um projeto de um senador petista para marretar os preços.
As críticas são concentradas na política da Petrobras de acompanhar os preços internacionais, seguindo aproximadamente o princípio do PPI, preço de paridade de importação.
A realidade
Ao contrário do que muitos podem imaginar, a triste realidade é que a Petrobras não é autossuficiente. Ela precisa importar gasolina e diesel.
O Brasil produz 2,9 milhões de barris de petróleo por dia. Isso, com efeito, seria mais que o suficiente para o consumo de derivados no país. No entanto, extrair petróleo é uma coisa; refiná-lo e transformá-lo em gasolina e diesel é outra muito diferente.
Para virar gasolina e diesel, o petróleo precisa passar por uma refinaria. E a capacidade de refino do Brasil é muito menor do que a demanda por diesel e gasolina.
Mas piora. As refinarias da Petrobras em operação no país foram projetadas para trabalhar com óleo leve, fácil de refinar, vindo da Arábia Saudita (que era a nossa fonte quando éramos grandes importadores de petróleo). O petróleo extraído aqui no país é difícil de ser refinado.
Consequentemente, não há magica: é necessário importar diesel e gasolina.
E a cotação do diesel e da gasolina é determinada no mercado internacional de commodities. É o mesmo preço, em dólares, para o mundo inteiro. Para conseguir importar, a Petrobras troca reais por dólares, efetua a importação e revende aqui dentro em reais (pois nossa moeda corrente é o real).
O preço final, portanto, depende do preço da gasolina em dólares e do preço do dólar em real.
Este ano, a gasolina e o diesel subiram no mercado internacional mais de 80%, em dólares. E o real se desvalorizou — consequência da nossa expansão monetária e da adoção de juros reais negativos em reposta à Covid-19.
O resultado é a atual dor nas bombas.
Eis a evolução do preço de um litro de gasolina, em reais, no mercado de commodities:
Gráfico 1: evolução do preço, em reais, de um litro de gasolina no mercado internacional de commodities
Este é o preço que a Petrobras, que não é autossuficiente, paga para importar gasolina. Não tem como escapar disso. O mundo não vai vender gasolina mais barata exclusivamente para o Brasil.
Ademais, a Petrobras não abastece inteiramente o mercado interno. Importadores privados fazem o serviço. Eles são cruciais para o pleno abastecimento. O fato de haver gasolina e diesel disponíveis em todos os postos do Brasil, independentemente da localização, se deve exatamente ao fato de que há importadores privados de diesel e gasolina, que se arriscam e colocam seu capital em jogo para ajudar a suprir o país.
Sendo assim, se a Petrobras passar a vender gasolina abaixo dos preços de mercado, os importadores privados irão à falência e, consequentemente, faltará gasolina no mercado interno. É realmente simples assim.
O Brasil só será autossuficiente — ou seja, não terá de importar — quando possuir um parque de refino que satisfaça nossa demanda e, ao mesmo tempo, possua instalações modernas o bastante para lidar com qualquer tipo de petróleo.
Para isso, dependemos da iniciativa privada para a construção de novas refinarias (a Petrobrás é dona de 13 das 17 refinarias do Brasil, respondendo por 98% do petróleo refinado, herança de décadas de monopólio legal). E a iniciativa privada só irá entrar neste ramo — que é extremamente custoso e voltado para o longo prazo — se tiver liberdade para definir o preço do diesel e da gasolina que produzirem (como acontece em qualquer atividade econômica).
Mas se o governo controlar os preços da Petrobras — como querem políticos, sindicatos e até mesmo boa parte da mídia —, quem irá se arriscar a comprar uma refinaria para concorrer com a estatal?
Quem irá comprar refinarias sabendo que o governo pode, a seu bel-prazer, simplesmente sair praticando controle de preços (reduzir artificialmente os preços cobrados pela Petrobras)?
Isso inviabilizaria todo o empreendimento privado, trazendo enormes prejuízos e deixando este mercado ainda mais ineficiente.
Portanto, nossa almejada autossuficiência, que depende inteiramente do aumento da nossa capacidade de refino, só será alcançada sob governos que não tentem interferir nos preços dos combustíveis.
Outras consequências do controle de preços
Já vimos este filme. No governo Dilma, a Petrobras foi a vender para as distribuidoras gasolina e diesel abaixo do preço pelo qual foram importados. A empresa teve de queimar seu patrimônio para manter esta política. Na prática, a empresa pagava para produzir.
Obviamente, ela só fez isso porque era estatal. Nenhuma empresa normal poderia se dar a este luxo. Como consequência, o preço de suas ações, que havia chegado a R$ 44 em 2008, caiu para R$ 4 ao fim de 2015.
No total, a estatal teve um prejuízo de R$ 180 bilhões. E este prejuízo se deveu exclusivamente ao fato de ter sido obrigada a produzir com preços congelados. Petrolão, Pasadena e outras mutretas não entram na conta. A coisa foi tão escabrosa que até mesmo Lula veio a público reconhecer o erro, algo totalmente atípico.
A correção deste descalabro exigiu preços maiores nas bombas, para refazer o caixa e o patrimônio da estatal. O governo — começando no segundo mandato de Dilma, e continuando sob Temer — teve, por algum tempo, de elevar os preços dos combustíveis para valores maiores que o da paridade internacional, com o próprio presidente da Petrobras vindo a público para afirmar explicitamente que a política tinha o intuito de refazer o caixa da empresa.
Apenas mais uma consequência não-intencionada do intervencionismo.
Hoje, se a turma do tabelamento ganhar o debate, os problemas serão bem mais graves do que os prejuízos na Petrobras e as consequentes ações judiciais dos acionistas minoritários (o governo possui apenas 37% da companhia). Se os preços forem tabelados abaixo da paridade de importação, uma das duas consequências negativas ocorrerá:
a) faltará combustível, pois o importador não terá razão para comprar mais caro lá fora e vender mais barato aqui;
b) o preço ao consumidor irá manter alto, viabilizando a importação, mas a Petrobras ficará no prejuízo. E o consumidor terá benefício nenhum.
Para concluir
Assim como na década de 1970, o petróleo tem subido ao redor do por conta de políticas inflacionárias do Fed. Mais dólares na economia, maior o preço em dólar das commodities.
Aqui no Brasil sofremos adicionalmente, com a política monetária ultra-expansionista do Banco Central, que gerou desvalorização do real.
Revogar a lei de oferta e demanda nunca funcionou. Desde que trocou o presidente da Petrobras, Bolsonaro não esconde sua vontade de tabelar os preços. “Nós estamos tentando buscar maneiras de mudar a lei, porque não é justo você viver num país que paga tudo em reais, é praticamente autossuficiente em petróleo e tem o preço do seu combustível atrelado ao dólar”, declarou em live recente.
Trata-se de uma “dilmice”. Só que, parodiando a indigitada, quem ganhar ou quem perder não vai ganhar nem perder. Vai todo mundo perder.
Hélio Beltrão é presidente do Instituto Mises Brasil