O trabalho conjunto de 15 expedições internacionais de profundidade, com base na análise do ‘DNA ambiental’, permitiu criar a primeira visão unificada da enorme biodiversidade da zona abissal, a região mais desconhecida do planeta. Os resultados do trabalho foram publicados na revista ‘Science Advances’.
A zona abissal, popularmente conhecida como reino abissal, é a parte do fundo do oceano localizada entre 4.000 e 6.000 metros de profundidade. Embora ocupe 60% da superfície da Terra, é o espaço mais desconhecido do planeta; porque descer tão fundo é complicado até para a tecnologia moderna, pois as temperaturas chegam a 3°C, a pressão atmosférica é entre 500 e 600 vezes a que temos na superfície e não chega nem um único raio de sol.
No entanto, é uma região que abriga uma grande riqueza de vida, com espécies que souberam se adaptar às condições mais extremas. Ramón Massana, pesquisador do Instituto de Ciências Marinhas (CSIC) e especialista em ecologia microbiana, explicou que os organismos que vivem em sedimentos abissais incluem uma grande variedade de espécies, tanto eucariontes como procariontes.
Organismos eucarióticos são aqueles constituídos por células eucarióticas (possuem núcleo diferenciado) e os procariontes são aqueles formados por células procarióticas (que não possuem núcleo ). Animais, plantas e seres humanos são eucariontes; as bactérias e os diferentes grupos microscópicos da biosfera são procariontes.
Embora os organismos procarióticos sejam variados e comuns na zona abissal, este não é o caso dos organismos eucarióticos. A esta profundidade, a grande maioria das espécies eucarióticas que podemos encontrar são aquelas que pertencem à categoria de animais bentônicos, ou seja, amêijoas, caracóis, caranguejos…
Existem outras espécies, como o “Black Devil”, por exemplo, que é aquele tipo de tamboril com um apêndice luminescente que usa para atrair presas; ou o “peixe pelicano”, que é uma espécie de enguia com cerca de um metro de comprimento e uma boca maior que o resto do corpo.
Com a união dos dados desses 15 estudos, os pesquisadores conseguiram dar um grande salto no conhecimento que temos da biodiversidade do fundo do oceano. Eles fizeram isso estudando o DNA ambiental, coletando amostras de água em diferentes áreas e analisando para encontrar as diferentes sequências de DNA que pertencem aos seres vivos que habitam essas regiões.
Foram coletadas cerca de 1.700 amostras nas principais bacias oceânicas e comparadas aos resultados das sequências de DNA conhecidas, pertencentes principalmente às espécies que habitam as regiões mais superficiais do oceano. Assim, eles conseguiram sequenciar o DNA de toda a biodiversidade eucariótica da zona abissal.
A conclusão foi espetacular: a biodiversidade da zona abissal pode ser três vezes maior do que nas massas de água superiores, e essa diversidade também é composta por grupos taxonômicos muito diferentes, a maioria são desconhecidos.
“É surpreendente”, destacou Martínez Arbizu, biólogo marinho e pesquisador do Museu de História Natural de Senckenberg, Alemanha, porque “essas espécies são novas, ninguém as investigou ainda, não há referências em bancos de dados internacionais. Muitas vezes não sabemos a que grupo animal pertencem”, concluiu.
Por que esse trabalho é tão importante?
O trabalho unificado das 15 investigações internacionais permitiu, pela primeira vez, nos fornecer uma visão unificada de toda a biodiversidade eucariótica do oceano. Isso nos permitirá abordar questões ecológicas marinhas em escala global. Esta enorme quantidade de organismos desconhecidos que habitam os sedimentos do fundo do oceano desempenham um papel fundamental em dois processos ecológicos e biogeoquímicos de importância planetária: primeiro, garantem o bom funcionamento das teias alimentares oceânicas; segundo, o enterramento de carbono em escalas de tempo geológicas. Ambos os processos são reguladores críticos do clima da Terra.
Este conjunto de dados genômicos oferece uma oportunidade única de reconstruir oceanos antigos a partir do DNA contido no registro de sedimentos acumulados, para avaliar como o clima impactou as comunidades de plâncton e bentônicas no passado.