Muitos temas atuais como a pandemia, a invasão da Ucrânia pela Rússia ou os efeitos das mudanças climáticas, fazem com que o conhecimento das notícias se exponha a uma realidade amarga e apocalíptica, na qual parece que nada está dando certo. Diante desse acúmulo de más notícias, é provável que muitos cidadãos do mundo prefiram não ser informados diariamente. Embora os tempos sejam muito diferentes de dois séculos atrás, há um filósofo que já previu os efeitos negativos de uma superabundância de informação na sociedade. Precisamente, era um pensador que se interessava por outros temas mais existenciais, como a alma humana ou a angústia. O alemão Arthur Schopenhauer, considerado por muitos estudiosos o pai do pessimismo filosófico, foi um dos primeiros a alertar para as consequências de estar exposto ao ruído contínuo das notícias.
O “novo” nem sempre é verdade
“Você não pode cometer maior erro do que pensar que a última coisa que foi escrita é sempre a mais correta; que o que é escrito depois é uma melhoria do que foi escrito antes e que cada mudança adiante significa progresso”, escreveu em sua obra Sobre escrita e estilo. Este fragmento, que à primeira vista não parece falar diretamente do estresse noticioso, é recuperado pelo escritor e pensador americano Eric Wiener, em um artigo recente no Medium em que argumenta como mais de um século antes da invenção da Internet, Schopenhauer já falava dos perigos de dar demasiada importância e relevância à literatura jornalística, ou seja, estar atento aos assuntos atuais, para “o novo”.
“Como os famintos leitores de Schopenhauer”, diz Wiener, “confundimos o novo com o bom, o novo com o valioso. Os humanos não são máquinas de processamento de informações, nem são máquinas de caça e coleta. Assim como precisamos de tempo para digerir nossa salada de couve, também precisamos de tempo para entender a informação que consumimos. Informação não digerida é pior do que nenhuma informação, e muitos dados são mais perigosos do que muito pouco.”
O ‘best-seller’ norte-americano associa o comentário de Schopenhauer à falta de atenção produzida pelo estresse noticioso como causa direta. Como resultado do consumo diário de enormes quantidades de informações, nos tornamos cada vez mais viciados na nova última hora sem ter tempo para contrastar, investigar ou corroborar se o que lemos anteriormente era verdade. E, por outro lado, isso nos faz gostar cada vez menos da leitura lenta e da concentração atenta, pois qualquer tarefa que implique um esforço intelectual ou cognitivo se torna muito complexa quando nos vemos submetidos a um bombardeio contínuo, não apenas de notícias ou opiniões sobre essas mesmas notícias, mas notificações sobre qualquer outro assunto, seja o clima ou nossos contatos sociais.
“O excesso de dados age como uma névoa espessa que obscurece nossa visão”, diz Wiener. “A Internet expôs esse problema fundamental, que não é nada novo. Cada época tem sua própria Internet, suas próprias distrações. No tempo de Schopenhauer, era a Enciclopédia, publicada pela primeira vez na França durante o século 18. Para quê? pensar em um problema quando a solução está disponível em um livro?”
Isso poderia ser aplicado à tarefa de formar opinião sobre qualquer assunto minimamente polêmico que agite nosso noticiário diário. Muitos cometerão o pecado de procurar seus líderes de opinião favoritos ou confiáveis, esperando que eles concordem com sua versão já tendenciosa dos eventos. É por isso que o consumidor (e prossumidor) de redes sociais acaba limitando ainda mais seu campo de visão crítico, ele vê e compreende a realidade científica, social ou cultural pelos olhos de outra pessoa que considera confiável, sem se perguntar se talvez o argumentos que ele empresta estão errados.
A esse respeito, Schopenhauer tem uma frase em que deixa bem clara sua posição: “É cem vezes mais valioso se você chegou à conclusão pensando nisso sozinho”. E, da mesma forma, incentivava a leitura “somente quando seus próprios pensamentos secarem”. “Confundimos dados com informação, informação com conhecimento e conhecimento com sabedoria”, conclui Weiner. “Não lhes ocorreu”, escreveu Schopenhauer, “que a informação é meramente um meio de compreensão e possui pouco ou nenhum valor em si mesma.”
“Inundados pelas vozes dos outros, não conseguimos ouvir a nossa”, conclui o escritor. A forma como consumimos informação também pode ser muito perigosa, já que antes dedicávamos apenas um momento específico do dia para nos informar (geralmente na hora do almoço com as notícias), agora o fazemos permanentemente vivendo grudados em nosso smartphone.
Assim, alguns autores como Karla Starr falam de um suposto “direito à ignorância” para reduzir esse estresse informacional e poder assumir, sem vergonha, que não queira comentar as últimas notícias do momento. Em vez disso, Schopenhauer prefere sentar e pensar sobre isso. Podemos deduzir que, por sua natureza pessimista, ele também usaria esse direito à ignorância, pois diante de tal emaranhado de informações, é muito difícil separar o que é verdadeiro do que é falso.