GOVERNO NÃO LIGA
Depois de cair algumas posições no ranking que aponta os países mais perigosos para ambientalistas no mundo no ano passado, o Brasil voltou a aparecer entre aqueles onde mais defensores do meio ambiente são assassinados. Com 24 mortes registradas em 2019, quatro a mais do que em 2018, o país passou do quarto ao terceiro lugar na lista internacional, segundo relatório da ONG Global Witness publicado nesta quarta-feira (29).
Desde que a organização, sediada no Reino Unido, passou a sistematizar informações do tipo, em 2012, nunca houve tantos crimes como em 2019, que atingiu a marca de 212 assassinatos. No topo do ranking está outro país sul-americano, a Colômbia, com 64 mortes. Filipinas, o país "líder" do ano passado, aparece agora em segundo lugar, com 43 vítimas.
"Infelizmente, a tendência é que as coisas piorem a cada ano", comenta Ben Leather, da Global Witness, em entrevista à DW Brasil.
Entre os motivos para o aumento dessa violência, analisa Leather, está a crescente demanda pelo consumo. "Para suprir seus negócios, empresas buscam novas áreas, novos territórios, e colocam em ameaça as comunidades que estão lá e defendem suas terras, seus direitos", diz.
A impunidade também é vista como parte da engrenagem que sustenta o cenário. "A cada ano, defensores são mortos, e quase nenhum caso vai parar na Justiça. Quem comete os crimes se sente livre para continuar. Por isso, os governos precisam agir", ressalta Leather.
No Brasil, a grande maioria dos assassinatos de ambientalistas em 2019 ocorreu na Amazônia. Para a Global Witness, é preciso destacar que alguns tipos de ambientalistas brasileiros enfrentam riscos mais específicos e sérios. "São os indígenas os mais expostos à violência", destaca Leather.
Das 24 mortes contabilizadas em território brasileiro pelo relatório, dez delas, ou cerca de 42%, foram de indígenas. "Eles representam apenas 0,4% da população do país, ou seja, estão super-representados entre os ativistas assassinados", lamenta o membro da Global Witness.
Nomes de brasileiros como o de Paulo Paulino Guajajara estão na lista da Global Witness. Conhecido como guardião da floresta, ele foi assassinado na Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, em novembro de 2019. Paulino Guajajara fiscalizava e denunciava invasões das terras e roubo de madeira - função que se tornou mortal no país.
Um levantamento feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) mostrou que esse território indígena na Amazônia tem sofrido com invasões e desmatamento sem precedentes. Para tirar a madeira roubada do local, os criminosos chegam a abrir mais de 100 quilômetros de estradas clandestinas por mês na mata.
"De uns tempos para cá, os ataques se voltaram mais contra os indígenas. No passado, eram os missionários que defendiam a causa que eram assassinados, mas houve esta virada histórica", analisa Christian Ferreira Crevels, antropólogo do Conselho Missionário Indigenista (Cimi).
Um dos casos marcantes foi o de Irmã Cleusa, assassinada em 1985. Como missionária, defendia a terra indígena dos Apurinã às margens do rio Paciá, em Lábrea, estado de Amazonas.
A mudança, segundo Crevels, tem uma explicação clara. "No Brasil da impunidade, as mortes dos indígenas defensores dos territórios, do meio ambiente, repercutem menos. Quantos brasileiros perderam a vida no interior e nunca foram conhecidos...", complementa.
São nomes como o de Dilma Ferreira Silva, líder rural e coordenadora regional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), assassinada em 2019 no Pará, que também consta no relatório da Global Witness.
Segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual, o fazendeiro Fernando Ferreira Rosa Filho, mandante do crime, encomendou a morte da ativista por ela ameaçar denunciar suas atividades ilegais - como desmatamento ilegal - às autoridades.
"Sabemos que nosso relatório traz só a ponta do iceberg. Só contamos o número de assassinatos. Sabemos que em todo o mundo, inclusive no Brasil, há muitos defensores do meio ambiente e membros de suas famílias que sofrem muita violência: são difamados, censurados, ameaçados, assediados e presos", comenta Leather.
O Brasil nunca foi um território seguro para ativistas do meio ambiente. Crevels, do Cimi, lembra que outros governos tiveram pontos negativos. "Os ataques não são novos. Vale lembrar que a violência da construção da usina de Belo Monte, no governo Dilma Rousseff, também deixou o seu legado de como executar um projeto na Amazônia desrespeitando tudo", pontua o antropólogo.
O governo de Jair Bolsonaro e seu ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, no entanto, agravam o quadro. "Ele [o governo] vocaliza um apoio a situações que geram conflito territorial. As pessoas pensam: 'posso me armar e ir para o conflito que o presidente garante'", analisa Crevels.
Além disso, políticas ambientais que apontam para "perdão" futuro por crimes cometidos são apontadas como estímulo à violência. "Principalmente quando Bolsonaro diz que vai rever terras indígenas já homologadas, por exemplo, é como uma incitação à invasão", diz o antropólogo.
Leather, da Global Witness, tem uma visão semelhante. "O Brasil sempre foi perigoso para ativistas. Mas é claro que este novo governo tem uma política muito clara de priorizar lucro num espaço curto de tempo, sem considerar o meio ambiente. Ele claramente quer abrir a Amazônia para negócios em processos rápidos."
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