Selvageria
Ataíde Pereira dos Santos acabou indo para Diamantino onde contou para o padre Edgar Smith toda a história do “Massacre do Paralelo 11”. O relato dele foi gravado e encaminhado para a Polícia Federal onde Job Maia abriu o inquérito em 1965. O ex-empregado da companhia Arruda e Junqueira foi para Cuiabá, e desapareceu. Depois foi reencontrado vendendo picolés nas ruas cuiabanas, e demitido porque vivia bêbado. Ataíde Pereira bebia e jurava matar o Junqueira, se tivesse um revólver.
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Leia também: Parte 1 - Esquadrão da morte: O massacre do "Paralelo 11"
O processo iniciado com o testemunho de Ataíde Pereira tramitou até que em junho de 1969 o juiz Carlos Avalone decretou as prisões preventivas por homicídio qualificado de Ataíde Pereira dos Santos (mineiro, 34, solteiro, cozinheiro), Ramiro Costa (baiano, 54, casado, seringueiro), Francisco Luiz da Costa (vulgo Chico Luiz, cearense, 32, solteiro, garimpeiro), Manoel Virgílio de Almeida (mato grossense, 30, solteiro, poaeiro) e Silvestre de tal (presumíveis 22 anos, solteiro).
O juiz Avalone deixou de fora Chico Amorim e Isolino Maurino da Silva, por que já era do conhecimento da Justiça que haviam morrido. O boliviano Isolino morreu ainda em 1965 no mesmo ano quando foi pescar no rio e se afogou. Os demais citados pelo juiz não foram encontrados, e se soube depois que Manoel Virgílio e Silvestre foram assassinados em Jangada em 1972. O delator Ataíde acabaria morrendo em 1969 em Cuiabá com um tumor na garganta (outros dizem que foi de tuberculose).
Os donos da empresa não foram denunciados pelo promotor Zélio Guimãraes da Silva. Segundo o promotor, “Antônio Mascarenhas Junqueira e Sebastião Palma de Arruda, sócios da firma Arruda, Junqueira & Cia Ltda, tendo em vista não estar devidamente concretizada a anuência dos mesmos no tocante da matança dos índios, visto ter a expedição sido organizada com o feito de exploração de mineiros e expansão do seringal, sendo o organizador e orientador da mesma o individuo Francisco Amorim de Brito”.
O promotor apenas deu a ressalva de “aditar a denúncia em caso de, durante a instrução criminal, surgirem elementos para tanto”. Os acusados acabariam mortos antes do julgamento, mas restou Ramiro Costa, um trabalhador braçal baiano que antes havia trabalhando como seringueiro em uma fazenda da empresa em Vila Bela da Santíssima Trindade (área de quase 15 mil hectares) e em Juína (com 60 mil hectares). O seringueiro que participou da chacina foi o único a ser julgado em 1975.
O ex-empregado da Arruda e Jungueira Ramiro Costa tinha 60 anos, malária, e problema do coração, e deixou a empresa porque após acertar (pelo que não devia) ainda restaram R$3,5 mil, que nunca foi pago. Por esse motivo entrou bêbado na FUNAI em 1971 e relatou as mortes dos índios para o superintendente Ramis Bucair. O superintendente tomou o seu depoimento e o dispensou, mas quando Ramiro retornava para seu hotel na Prainha (Hotel Bahia) foi preso pelo tenente da PM Fernandes, que trabalhava na Funai.
O que o segundo delator do “Massacre do Paralelo 11” não sabia é que o juiz Avalone havia decretado a sua prisão dois anos antes. Ramiro chiou, disse que só foi preso porque mencionou como mandante os ex-patrões Antônio Junqueira e Sebastião Palma. Por coincidência o tenente Fernandes seria nomeado secretário da prefeitura de Aripuanã pelo prefeito Amaury Furquim, ex-piloto da Arruda e Junqueira nos anos 50, e cuja gestão municipal tinha forte ligação com a empresa. A empresa tinha interesse de colocar o projeto de colonização de pé, e assim valorizar suas terras. A empresa chegou a emprestar R$6 milhões do Banco da Amazônia (Basa) para assentar 150 famílias em Juina. Nenhuma foi assentada.
A peça de acusação com quase dois mil páginas parou nas mãos do juiz Mauro José Pereira que em um parecer de 21 páginas destaca que “jamais havíamos contemplado e estudado um processo que revelasse tanta violência, tanta ignomínia, tanta falta de amor ao próximo, tanta ambição, tanto egoísmo, tanta selvageria, tanto desprezo pela vida humana, enfim, tanto apego à matéria como este, que evidencia a ocorrência de fatos que repugnam a nossa consciência de homens civilizados e que cremos na existência de Deus”. E o juiz segue: “As páginas deste processo constituem um verdadeiro opróbrio, que enche de vergonha o nosso Estado, e compromete o nome de uma Nação inteira”.
O julgamento pelo tribunal do Juri ainda seria demorada. Ramiro Costa preso teve como defensor Renato D´Arruda Pimenta, ex-promotor de Justiça, filho de ex-desembargador, professor universitário, considerado o advogado mais caro de Cuiabá, e que pegou a causa para “defender um pobre coitado da injustiça”. O preço fazia juz ao sucesso, como ter livrado o governador Pedro Pedrossian do impeachment, ou a demissão e prisão do juiz Onésimo Nunes Rocha. O advogado Renato Pimenta não conseguiria livrar Ramiro da prisão, e parecia não se preocupar com isso. Segundo Ramiro o advogado Renato era primo de Sebastião Palma, e só tinha se reunido com ele uma única vez, justamente para não citar o nome de Sebastião.
A versão de Ramiro Costa mudou e ele não teria participado do “Massacre do Paralelo 11” porque já tinha retornado para a sede da companhia Arruda e Junqueira. Os responsáveis pelas mortes teriam sido Chico Luís, Adonias Alves, David Burges, Justino Ferreira, Benedito Estevão, Benedito Germano e Chico Amorim. A nova versão não foi levada à sério. Ramiro acusava Ataíde de ter inventado tudo porque não gostava dele, mas Adonias Alves, ex-empregado da companhia Arruda e Junqueira também estava preso junto com Ramiro, e o estaria ameaçando de morte.
O fato é que o advogado Renato Pimenta enrolou o processo o quanto pôde, usando desde uma gripe até internando Ramiro Costa no hospital psiquiátrico Adauto Botelho porque ele seria louco. O juiz Odiles de Freitas concordou e pediu laudo médico. O laudo apontou a sanidade de Ramiro, e ele voltou à prisão para ser julgado. Porém Ramiro não concordou em ser mais defendido por Renato e o juiz destacou João Duarte de Castro, ex-aluno de Renato, e recém-formado pela UFMT.
(Continua...)
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Ai credo, coisas de filme de terror |
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Que mancha em nossa história, quanta crueldade, vergonha!!! |
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É de doer na alma... |
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Nossa é cada caso estarrecedor que eu desconhecia da nossa história, vejo que essa é a formação cultural do nosso povo, a história da elite dominante contada sem ressalvas e sem glórias, a história de como se formou a fortuna de um punhado de gente, e como se ampliou o fosso de miséria que hoje existe. Deve ser olhando para este passado que deveremos construir no presente um futuro melhor, ou isso, ou aqueles que conquistaram materiais às custas de sangue, como muitas famílias nobres da burguesia local, vão continuar escondendo suas vergonhas. O juiz disse tudo, nunca houve tanto desprezo pela vida humana, quando na época que esses senhores ficaram ricos, às custas da dor, miséria e morte alheia |
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